Sematron Cult: A Máquina do Tempo

Todos já imaginaram como seria ter o poder de viajar pelo tempo. Em The Time Machine, de H. G. Wells, esse poder é dado nas mãos da raça humana em uma das primeiras vezes na história de ficção. Repleto de críticas sociais e extrapolações sobre a sociedade da época, o livro é um clássico, inspirando toda uma tradição de obras sobre o assunto. Em comemoração ao aniversário do autor (nesse dia 21), falaremos um pouco sobre o livro e algumas de suas adaptações.

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Capa de Famous Fantastic Mysteries, de 1950

Lembro-me de uma época em que o único modo de se conseguir livros era através de livrarias ou procurando em sebos. Foi em um desses que encontrei um exemplar de A Máquina do Tempo com um prefácio curioso. Nele, o editor comentava como o livro não era considerado ficção científica por, vejam vocês, Júlio Verne, já que o funcionamento da tal máquina nunca é explicado cientificamente. Mesmo que Verne estivesse delineando a depois chamada separação entre a “ficção científica soft” e a “hard”, o fato do livro demonstrar o controle da passagem do tempo com o uso de uma alavanca traduz parte do pensamento de se utilizar uma invenção para feitos antes impossíveis, ainda mais em uma época tão inventiva como o final da era vitoriana.

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O ator Rod Taylor na representação de 1960 (Créditos: Metro-Goldwyn-Mayer Studios)

A história é contada em um relato. O protagonista, um inventor inglês nunca nomeado (chamado comumente de “O Viajante”, mas também usado por vezes como o próprio Wells), conta suas experiências para seus amigos, e um deles que fará a introdução e encerramento do livro.

Depois de testar seu dispositivo, o Viajante decide ir até um futuro distante, no ano de 802.701 EC, onde descobre que a cidade de Londres não existe mais, dando lugar a vastas florestas e campos abertos. Ele encontra habitantes locais, nomeando-os Elois, que conclui serem descendentes dos humanos, porém menores e mais frágeis. Os Elois se alimentam apenas de frutas e não parecem ter qualquer conhecimento tecnológico, nem mesmo do fogo, além de temerem o escuro e serem um tanto inocentes. Impressionado a princípio, o Viajante conclui que a utopia comunista foi finalmente alcançada (calma, não se exaltem, voltaremos a isso depois) e o mundo se tornou um grande jardim, mas de noite ele escuta barulho de maquinário pesado, vindo de estruturas como poços, espalhados pela região.

Quando retorna para sua máquina, descobre que ela desapareceu, arrastada para algo semelhante a uma esfinge. Preso no futuro, o viajante passa a viver com os Elois e cria uma relação com uma deles, chamada Weena. Mas em uma noite de lua nova, o grupo de Elois é atacado por criaturas semelhantes a macacos, grandes, peludas e com presas. Os Morlocks.

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(Créditos: Metro-Goldwyn-Mayer Studios)

O Viajante descobre que os Morlocks vivem nas escuridões subterrâneas e operam as máquinas que ouviu. Com novos fatos, ele deduz que os Morlocks também são descendentes dos humanos. Depois de séculos de segregação social as classes sociais se separaram em diferentes espécies. As mais altas, acostumadas a serem servidas e vivendo sem preocupações, desaprenderam sobre o mundo e sobre o trabalho, se tornando os Elois. Já as mais baixas ficaram presas nas instalações industriais, cada vez maiores e mais complexas, até que o interior das fábricas ficasse indistinguível do subterrâneo e o sentido do trabalho se perdesse, tornando os operários seres irracionais e animalescos, que viviam na escuridão e trabalhavam quase que por instinto.

Sem comida, os Morlocks se alimentam dos Elois. No momento que o viajante chega, a relação não é mais de empregado e patrão, mas sim de predador e presa.

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Capa de uma das primeiras edições (créditos: Manhattan Rare Book Company)

A Máquina do Tempo foi publicada originalmente em 1895. Um mundo diferente, quase alienígena para nós. O Império Britânico ainda era “o império em que o sol nunca se põe”, os países mais ricos e poderosos estavam passando por um intenso processo de industrialização, as populações rurais migraram em massa para as cidades, onde tinham de se submeter a condições subumanas para sobreviver. 

Ok, talvez não fosse tão diferente.

Mas cabe lembrar que as leis e os direitos trabalhistas eram bem menores, isso onde existiam. Operários que podiam trabalhar 10 horas seguidas, trabalho infantil, falta de higiêne, sem seguro desemprego, hora extra ou adicional de insalubridade. E esse é o momento de informar aos que não perceberam que H. G. Wells era socialista. A Máquina do Tempo é uma crítica explícita às relações de trabalho na época e como as diferenças sociais são um malefício para o mundo.

O mais curioso dessa visão política da obra é como ela vai se modificar com suas diversas adaptações ao longo das décadas.

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The Time Machine, 1960 (Créditos: Metro-Goldwyn-Mayer Studios)

Em 1960 a guerra fria estava em uma crescente. Com uma guerra no Vietnã e uma ditadura comunista na vizinha Cuba, o macartismo ainda estava forte na sociedade dos Estados Unidos. Mas o verdadeiro temor entre todos era o de uma guerra nuclear.

No filme “A Máquina do Tempo”, de 1960, o viajante nomeado George parte de 1900, fazendo paradas pelo século XX, onde presencia a Primeira Guerra Mundial em 1917, a Segunda em 1940… e a Terceira em 1966. Quando Londres é atingida por uma bomba, o viajante fica soterrado e tem de avançar no tempo até ter um terreno limpo, parando no futuro distante, onde descobre como o mundo foi destruído. Aqueles que sobreviveram se abrigaram no subterrâneo, alguns resolveram sair depois de um tempo, mas outros preferiram ficar, o que vai gerar as duas espécies.

A mudança no dispositivo de enredo usado para a criação da sociedade futura é representativo da época em que o filme foi feito. Mais do que tirar a visão socialista do autor, que provavelmente não seria bem vista no momento, o uso de uma guerra nuclear no futuro próximo traz o chamado “medo da bomba”, presente em outras obras do período, como Dr. Strangelove (de 1964) e O Dia em que a Terra Parou (toca Raul, digo, de 1951).

Outro filme foi lançado em 2002, servindo como um remake. Mais focado em romance e ação, não teve uma boa recepção.

Mas tem uma das melhores sequências de viagem no tempo (Créditos: DreamWorks / Warner Bros. Pictures)

Um dos pais da ficção científica, H. G. Well morreu em 1946, o que garante que suas obras estejam hoje em domínio público. Além de A Máquina do Tempo, outros de seus livros são obrigatórios na biblioteca de qualquer fã do tema, como A Guerra dos Mundos, O Homem Invisível e A Ilha do Doutor Moreau.

Fica aqui nosso desejo de feliz aniversário para Herbert George Wells (um pouco atrasado). Que seu legado, assim como sua máquina, possa atravessar as eras.

by George Charles Beresford, black and white glossy print, 1920

H.G. Wells (Créditos: National Portrait Gallery)

Fontes: